O que é Geografia?*


Uma discussão conceitual


Conforme Moraes (1995 p.3) existe uma controvérsia em termos científicos para se definir o campo de estudo da Geografia, pois são atribuídas múltiplas definições para o objeto desta ciência. Alguns autores a definem como estudo da superfície terrestre. Tal definição apóia-se na própria etimologia do termo Geografia = descrição da Terra. Esta concepção tem origem em Kant. Para ele





Haveria duas classes de ciências, as especulativas, apoiadas na razão, e as empíricas apoiadas na observação e nas sensações. Ao nível das segundas, haveria duas disciplinas de síntese, a Antropologia, síntese dos conhecimentos relativos ao homem, e a Geografia, síntese dos conhecimentos sobre a natureza. (MORAES, 1995 p. 14)





Conforme Kant, “o conhecimento é dado pelos sentidos, é portanto um conhecimento empírico” (MOREIRA, 2005 p.23). Tal conhecimento advém da percepção, havendo um sentido interno que revela o homem e um externo que revela a natureza. A percepção orienta a experiência que precisa ser sistematizada.



Logo, a Geografia seria uma ciência sintética, descritiva e que procura uma visão de conjunto do planeta.



Para alguns autores, a Geografia é o estudo da paisagem, restringindo a análise geográfica aos aspectos visíveis do real. Paisagem seria a “associação de múltiplos fenômenos, o que mantém a concepção de ciência de síntese, que trabalha com dados de todas as demais ciências” (MORAES, 1995 P.14). Existem duas perspectivas para a apreensão da paisagem: uma descritiva e a outra que se preocuparia mais com a relação entre os elementos e com sua dinâmica.



Outra proposta trata a Geografia como estudo da individualidade dos lugares aonde se deveria abranger todos os fenômenos presentes numa área, compreendendo o caráter singular de cada porção do planeta.



Alguns definem a Geografia como estudo da diferenciação de áreas, trazendo uma visão comparativa para o universo da análise geográfica. Esta é a primeira a propor uma perspectiva mais generalizadora e explicativa.



Existem autores que definem a Geografia como estudo do espaço que seria passível de uma abordagem específica. Tal concepção é minoritária e pouco desenvolvida. Podem-se apontar três possibilidades no trato da questão: o espaço pode ser concebido como uma categoria de entendimento, como um atributo dos seres ou como um ser específico do real, com características e dinâmica própria.



Alguns autores definem esta ciência como o estudo das relações entre o homem e o meio (sociedade e natureza). Nesta perspectiva, existem três visões distintas do objeto. Na primeira, o homem é posto como um elemento passivo, cuja história é determinada pelas condições naturais que o envolvem, na segunda, estuda-se como o homem se apropria dos recursos oferecidos pela natureza e os transforma, como resultado de sua ação e, finalmente, a visão do objeto como a relação em si, com os dados humanos e os naturais possuindo o mesmo peso.



Diante do exposto, constata-se que “inexiste um consenso, mesmo do plano formal, a respeito da matéria tratada pela Geografia. As várias definições formais de objeto atestam a controvérsia reinante” (MORAES, 1995 p. 20)



Apesar das inúmeras definições de objeto, é possível apreender-se uma continuidade neste pensamento. As correntes da Geografia Tradicional possuem um fundamento comum sobre as bases do positivismo que serão um patamar sobre o qual se ergue o pensamento geográfico, dando-lhe unidade. Uma das manifestações desta ligação está na circunscrição do trabalho científico ao domínio da aparência dos fenômenos, ou seja, “os estudos devem restringir-se aos aspectos visíveis do real, mensuráveis, palpáveis” (MORAES, 1995 p. 22). Assim a Geografia tomava uma postura geral, profundamente empirista e naturalista.





Admitindo-se como povos primitivos aqueles que viveram na pré-história, sem conhecimento da escrita, somos forçados a admitir que eles, vivendo na superfície da Terra, dela retirando o seu sustento e tendo uma concepção do mundo, já tinham idéias geográficas. Do ponto de vista ocidental, a história, e com ela a Antiguidade, ter-se-ia iniciado quarenta séculos antes de Cristo, com as civilizações do Egito e da Mesopotâmia. (ANDRADE, 2006 p.31)





Os povos primitivos (ANDRADE, 2006 p.32) tinham concepção de vida e cultura impregnadas de idéias geográficas. As sociedades estavam em contato com a natureza, procurando retirar dela os elementos que necessitavam. Eles modificavam a natureza, embora de formas pouco expressivas.



Eles tinham uma concepção religiosa dominada por um Deus superior e faziam correlação entre a Terra em que viviam e os astros que observavam no firmamento, aonde os astros eram encarados como os próprios deuses ou como a materialização dos mesmos.



Os povos Orientais (ANDRADE 2006, p.34) desenvolveram o conhecimento empírico da Geografia e realizaram observações, estabelecendo estudos matemáticos que deram origem ao conhecimento sistemático de mundo. As idéias geográficas se desenvolveram a partir dos “conhecimentos práticos de exploração da Terra e das observações dos viajantes, ao lado da sistematização de pensadores, filosóficos e matemáticos”.





As civilizações agrícolas da Mesopotâmia e do Egito, por exemplo, dependentes da irrigação, levaram os agricultores a estudar os rios Nilo, Tigre e Eufrates, levando em conta a origem, a extensão e o regime dos mesmos tanto em relação à periodicidade, quanto ao regime e às conseqüências da variação do volume d’agua durante o ano. Isto porque da cheia dependia a maior ou menor área a ser cultivada, a quantidade de alimentos a ser produzida e a oportunidade de trabalho para uma população que se dedicava à agricultura. Esta preocupação foi o primeiro passo para o desenvolvimento de estudos de hidrografia fluvial e de geometria, de vez que as cheias destruíam as demarcações feitas entre as áreas de cultura das várias famílias, forçando uma nova divisão entre as mesmas. (ANDRADE 2006 p.35)





O mundo conhecido se expandiu com o desenvolvimento oriental. A necessidade da troca de produtos intensificou as relações comerciais com os que viviam em áreas mais distantes. A navegação se intensificou no mar Mediterrâneo e no mar Vermelho.



“Os conhecimentos acumulados pelos povos orientais seriam depois utilizados pelos gregos, quando se tornaram um povo dominante, de conquistadores, para elaborarem os conhecimentos básicos que deram à ciência moderna”. (ANDRADE 2006 p.35)



O rótulo Geografia remonta à Antiguidade Clássica, especificamente do pensamento grego (MORAES, 1995 p. 32). Tales e Anaximandro privilegiam a medição do espaço e a discussão da forma da Terra. Heródoto se preocupa com a descrição dos lugares, numa perspectiva regional. Também existiam discussões que hoje são geográficas, como a da relação entre o homem e o meio de Hipócrates com sua obra “Dos ares, dos mares e dos lugares”. Aristóteles discute a concepção de lugar sem articulá-la com a discussão da relação homem-natureza.





Merece ser ressaltada a contribuição de Aristóteles ao desenvolvimento do conhecimento geográfico. Ele admitiu a esfericidade da Terra apresentando três provas em favor desta afirmação: a) a matéria tende a concentrar-se em torno de um centro comum; b) a sombra projetada pela Terra na superfície da Lua, durante os eclipses, é circular; c) só se podem explicar as mudanças que se produzem no horizonte e o aparecimento das constelações na esfera celeste por ser a Terra uma esfera. Suas preocupações, porém, não se limitaram apenas a este problema. Ele também tratou de temas como a erosão, a formação de deltas, a relação entre plantas e animais e o meio físico, as variações do clima com a latitude e as estações do ano, a vinculação das águas dos rios e oceanos, as relações entre as raças humanas, o clima e as formas políticas. (ANDRADE, 2006 p.39)





O conhecimento geográfico se encontrava disperso (MORAES, 1995 p.33) e muito do que se entende por Geografia, não era apresentado com este rótulo. Até o final do século XVIII não se pode falar de conhecimento geográfico com um mínimo de unidade temática e de continuidade nas formulações.



A sistematização só ocorre no início do século XIX. Os pressupostos históricos da sistematização objetivam-se no avanço e domínio das relações capitalistas de produção.



As primeiras colocações no sentido de sistematizar a Geografia vão ser obra de dois autores prussianos: Humboldt e Karl Ritter.





Com Humboldt e Ritter nasce a geografia científica, sendo por isto denominados os precursores da geografia moderna. Nasce a geografia acadêmica, isto é, a geografia produzida a partir dos centros universitários e ensinada nas escolas. A geografia que temos hoje em nossas escolas e universidades é a geografia por eles sistematizada, sob a versão que lhe dará a “escola francesa” nos fins do século XIX e inícios do século XX [...] Com Humboldt ganha forma acadêmica e escolar a geografia-ecologia, isto é, a concepção do mundo como a unidade cósmica, que envolve o próprio homem. [...] Com Ritter ganha forma acadêmica e escolar a geografia-história, isto é, a concepção de mundo como um antropocentrismo, uma unidade cujo pondo de partida e finalidade é o homem. (MOREIRA, 2005 p.26)





Humboldt possuía uma formação de naturalista. “Sua proposta de Geografia aparece na justificativa e explicitação de seus próprios procedimentos de análise” (MORAES, 1995 p.47). Ele não estava preocupado em formular os princípios de uma nova disciplina. Seus principais livros são “Quadros da Natureza” e “Cosmos” publicados no primeiro quartel do século XIX. Humboldt concebia Geografia como a “parte terrestre da ciência do cosmos, isto é, como uma espécie de síntese de todos os conhecimentos relativos à Terra”(MORAES, 1995 p.47). Caberia à Geografia reconhecer a unidade na variedade dos fenômenos, descobrindo a constância dos fenômenos em meio a suas variações aparentes.





a obra de Humboldt expressa de fato, pioneiramente, algumas das concepções e juízos que serão centrais em todas as argumentações das propostas posteriores da Geografia. A idéia de ciência de relações, sintética e necessariamente não-sistemática, aparece aí já claramente formulada. Tal idéia reaparecerá como dominante nas correntes majoritárias do pensamento geográfico tradicional. Humboldt tece, assim, uma formulação que visa justificar o fato de a Geografia estudar fenômenos díspares, estudados cada um pelas diferentes ciências sistemáticas. E, mais, argumenta que tal abordagem dá identidade a essa disciplina. Essa linha de argumentação permanecerá como o leito central por onde correm as colocações legitimadoras da autoridade e da autonomia do conhecimento geográfico. A herança humboldtiana não se limita, entretanto, a haver inaugurado esta via de discussão da identidade da Geografia. Muitos outros princípios e argumentos, reiterados amiúde pelos geógrafos posteriores, originaram-se de suas formulações. (MORAES, 2002 p. 129)





A obra de Ritter é metodológica. Ele define o conceito de “sistema natural” que seria uma área delimitada dotada de uma individualidade. A Geografia deveria estudar e comparar os arranjos individuais. Cada arranjo abarcaria um conjunto de elementos, representando uma totalidade, sendo o homem o principal elemento. Caberia à Geografia explicar a individualidade dos sistemas naturais. A ordem natural obedeceria a um fim previsto por Deus, havendo uma finalidade na natureza, uma predestinação dos lugares. A proposta de Ritter é antropocêntrica e regional, valorizando a relação homem-natureza.





Na literatura da história do pensamento geográfico é quase unânime o estabelecimento do marco inicial da Geografia moderna na publicação das obras de Alexandre von Humboldt e de Karl Ritter. Não há controvérsias em colocá-los como os pioneiros do processo de sistematização dessa disciplina; a discordância, quando aparece, diz respeito à ênfase dada a um desses autores em detrimento do outro. Humboldt e Ritter são, sem dúvida, os pensadores que dão o impulso inicial à sistematização geográfica, são eles que fornecem os primeiros delineamentos claros do domínio dessa disciplina em sua acepção moderna, que elaboram as primeiras tentativas de lhe definir o objeto, que realizam as primeiras padronizações conceituais. (MORAES, 2002 p.15)





Ratzel (1884-1904) revigora o processo de sistematização da Geografia com suas publicações no último quartel do XIX durante a constituição real do Estado nacional alemão e suas primeiras décadas. Em “Antropogeografia – fundamentos da aplicação da Geografia à História”, publicada em 1882, Ratzel funda a Geografia Humana definindo o objeto geográfico como o estudo da influência que as condições naturais exercem sobre a humanidade. Tais influencias atuariam na fisiologia e na psicologia dos indivíduos. A natureza influenciaria a própria constituição social e atuaria na possibilidade de expansão de um povo (MORAES, 1995 p.55).



Ratzel elabora o conceito de “espaço vital” que representaria uma proporção de “equilíbrio entre a população de uma dada sociedade e os recursos disponíveis para suprir suas necessidades, definindo assim suas potencialidades de progredir e suas premências territoriais” (MORAES, 1995 p.56). A proposta ratzeliana privilegiou o elemento humano valorizando questões referentes à história e ao espaço, estudando as influências que as condições naturais exercem sobre a evolução das sociedades. Manteve a concepção de Geografia como ciência empírica com análise na observação e descrição. Reduziu o homem a um animal ao não diferenciar as suas qualidades específicas. Ao propor a Geografia do Homem, entendeu-a como uma ciência natural. Seus discípulos radicalizaram suas colocações, constituindo o que se denomina “escola determinista” de Geografia. Eles lançaram máximas como “as condições naturais determinam a História” ou “o homem é um produto do meio” – empobrecendo bastante as formulações de Ratzel. “Todo o trabalho desses autores se constituía da busca de evidências empíricas, para teorias formuladas a priori” (MORAES, 1995 p.58).





Friedrich Ratzel [...] já existe embrionariamente em seus antecessores, mais visivelmente em Ritter. Todavia, é com ele que o comprometimento da geografia com os desígnios imperialistas da burguesia alemã mostrar-se-á com maior transparência. Assim como Humboldt e Ritter afastaram-se do Keantismo sem com ele romper, Ratzel também o fará. Mas romperá com o idealismo kantiano e fundirá a geografia alemã com o materialismo mecanicista inglês, ou, mais exatametne, com a “leitura” que o sociólogo Hebert Spencer (1820-1903) fará da notável A Origem das Espécies, do biólogo e naturalista Charles Darwin (1809-1882), publicada no ano da morte de Humboldt e Ritter: 1859. (MOREIRA, 2005 p.30)





A outra grande escola da Geografia é a francesa que tem Paul Vidal de La Blache como principal formulador.





A “escola francesa” [...] nasce do clima produzido pela derrota da França perante a Alemanha prussiana na guerra de 1870. Surge, a um só tempo, para servir à burguesia francesa em seu afã de recuperação de perdas territoriais com a guerra e sua compensação com maior expansão colonial. Domesticamente, visa ainda a servir de instrumento de recuperação da imagem de grande potência, abalada pela guerra. Observando que “o professor de geografia alemão” vencera a França para a Alemanha, o Estado francês expandirá o ensino de geografia. (MOREIRA, 2005 p.34)





O pensamento geográfico francês nasceu para combater a ação imperialista do Estado bismarckiano (MORAES, 1995 p.64) tendo como principal idealizador Vidal de La Blache que publicou suas obras nas últimas décadas do século XIX e nas primeiras do século passado que deslocou para este país o eixo da discussão geográfica. La Blache condenava a vinculação da Geografia com interesses políticos imediatos, a minimização do elemento humano e a concepção fatalista e mecanicista da relação entre homens e natureza. Vidal





Definiu o objeto da Geografia como a relação homem-natureza, na perspectiva da paisagem. Colocou o homem como um ser ativo, que sofre a influência do meio, porém que atua sobre este, transformando-o. Observou que as necessidades humanas são condicionadas pela natureza, e que o homem busca as soluções para satisfazê-las nos materiais e nas condições oferecidos pelo meio. (MORAES, 1995 p.68)





A natureza passou a ser compreendida como possibilidades para a ação humana; daí o nome de Possibilismo dado a esta corrente por Lucien Febvre.





A teoria de Vidal concebia o homem como hóspede antigo de vários pontos da superfície terrestre, que em cada lugar se adaptou ao meio que o envolvia, criando, no relacionamento constante e cumulativo com a natureza, um acervo de técnicas, hábitos usos e costumes que lhe permitiram utilizar os recursos naturais disponíveis. A este conjunto de técnicas e costumes, construído e passado socialmente, Vidal denominou “gênero de vida”, o qual exprimiria uma relação entre a população e os recursos, uma situação de equilíbrio, construída historicamente pelas sociedades. A diversidade dos meios explicaria a diversidade dos gêneros de vida. (MORAES, 1995 p.69)





Uma vez estabelecido, o gênero de vida tenderia à reprodução simples, isto é, a reproduzir-se sempre da mesma forma. Entretanto, alguns fatores poderiam impor mudança no gênero de vida: a possibilidade de exaurimento dos recursos existentes, o crescimento populacional e o contato com outros gêneros de vida.



Na verdade, em termos de método, a proposta de Vidal foi um prosseguimento das propostas de Ratzel, sendo que aquele era mais relativista.





A Geografia vidaliana fala de população, de agrupamento, e nunca de sociedade; fala de estabelecimentos humanos, não de relações sociais; fala das técnicas e dos instrumentos de trabalho, porém não de processo de produção, Enfim, discute a relação homem-natureza, não abordando as relações entre os homens. É por esta razão que a carga naturalista é mantida, apesar do apelo à História, contido em sua proposta. (MORAES, 1995 p.72)





Após as formulações de Vidal, o núcleo central da Geografia estava constituído.



Alguns discípulos tentaram completar a proposta possibilista como E. Demartone. Outros desenvolveram propostas próprias como J. Brunhes que propõe uma classificação positiva dos fatos geográficos em três grandes grupos: fatos da ocupação improdutiva do solo, fatos da conquista vegetal e animal e fatos da ocupação destrutiva. Outros enfocaram um ponto específico, desenvolvendo um estudo diferenciado como A. Demangeon que revelou a problemática econômica. Alguns aceitaram os fundamentos lablacheanos, porém, com propostas em polêmica com algumas colocações de La Blache. Este é o caso de C. VAllaux que entendia que a Geografia Humana deveria estudar o quarto estado da matéria que seria aquele criado pelo trabalho humano.



Vidal planejou a obra coletiva “Geografia Universal” que foi executada por seus discípulos. Eles explicitaram a região que seria “uma unidade de análise geográfica, que exprimiria a própria forma de os homens organizarem o espaço terrestre” (MORAES, 1995 p.75). A região seria uma unidade espacial dotada de individualidade em relação a suas áreas limítrofes.



De forma progressiva, o conceito de região foi humanizado e compreendido como um “produto histórico, que expressaria a relação dos homens com a natureza.” (MORAES, 1995 p.76)



Os desdobramentos da proposta vidaliana foram múltiplos, tendo Max Sorre como grande expoente. Ele desenvolveu o conceito de habitat que seria “uma construção humana, uma humanização do meio, que expressa as múltiplas relações entre o homem e o ambiente que o envolve.” (MORAES, 1995 p.80) Esta Geografia pode ser entendida como um estudo da Ecologia do homem, ou seja, da relação dos agrupamentos com o meio em eu estão inseridos, processo no qual o homem transforma o meio. Esta proposta de Sorre foi a reciclagem da Geografia Humana concebida por Vidal, representando a segunda grande formulação da Geografia francesa no sentido do conhecimento geográfico global e unitário.





A geografia francesa mantém o empirismo da geografia alemã. Porém, se a “escola alemã” se apoiara no idealismo kantiano com Humboldt e Ritter, redefinido à luz de Schellig e Hegel, e no materialismo mecanicista inglês com Ratzel, a “escola francesa” apoiar-se-á no funcionalismo, por via do qual absorve o positivismo. Interlocutor constante de La Blache, com quem sustenta longo e produtivo debate acadêmico, Durkheim (1858-1917) dirá em seu Método de Investigação Sociológica que os processos sociais são relações entre coisas, compreendendo cada qual parte de um todo orgânico e harmônico. (MOREIRA, 2005 p.36)





Além do Determinismo e do Possibilismo, surge o Racionalismo (MORAES, 1995 p.84) que fundamentava-se no neo Kantismo, possuindo menor carga empirista e maior raciocínio dedutivo.



Conforme Moraes, Alfred Hettner (geógrafo alemão) publicou suas obras entre 1890 e 1910, influenciado pelo refluxo das críticas francesas às colocações de Ratzel. Propõe a Geografia como ciência que estuda a diferendiação das áreas, estudo das formas de inter-relação dos elementos no espaço terrestre.



Suas idéias encontraram escassa penetração devido o domínio do Possibilismo.



Richard Hartshorne (geógrafo americano) reformou os pensamentos de Hettner desenvolvendo-o e aprimorando-o. Após 1930 desenvolveram-se duas grandes escolas de Geografia: uma na Califórnia, que propôs o estudo das “paisagens culturais” e outra no Meio-Oeste, que foi pioneira no uso dos modelos de quantificação. Para Hartshorne as ciências se definiriam por métodos próprios, a Geografia teria sua individualidade e autoridade decorrentes de uma forma própria de analisar a realidade. Ele deixou de procurar um objeto da Geografia, entendendo-a como “ponto de vista” e enfatizou o caráter variável das diferentes áreas terrestres.



Os conceitos básicos formulados por Hartshorne foram os de área e de integração. A área seria um instrumento de análise (diferenciada pelo observador), fonte inesgotável de inter-relações, sendo que o conjunto de todas as inter-relações possíveis demonstrariam a realidade total da área. O caráter de cada área seria dado pela integração de fenômenos inter-relacionados. Esta concepção foi chamada de Geografia Idiográfica, que seria uma análise singular e unitária que levaria a um conhecimento profundo de determinado local e a Geografia Nomotética que seria generalizadora, apesar de parcial. Hartshorne articulou a Geografia Geral e a Regional, abrindo duas perspectivas para o estudo geográfico: as análises tópicas como Geografia do Petróleo, da Monocultura, do Café e a perspectiva de trabalhar com um número elevado de elementos instrumentalizando os diagnósticos e possibilitando o uso da quantificação e computação. Tais desdobramentos se inserem no movimento de renovação da Geografia.





As propostas de Hartshorne, por um lado, e de Cholley e Lê Lannou por outro, encerram as derradeiras tentativas da Geografia Tradicional. Finalizaram um ciclo, que teve sua unidade dada pela aceitação de certas máximas tidas como verdadeiras, a saber: a idéia de ciência de síntese, de ciência empírica e de ciência de contato. Hartshorne, o que mais se afastou destas colocações, sem romper com o pensamento tradicional, já representava um papel de transição. (MORAES, 1995 p.91)





A Geografia Tradicional elaborou um rico acervo empírico com levantamento de realidades locais. Tais dados constituem um substantivo material para pesquisas posteriores devido os dados minuciosos sobre situações singulares.





A Geografia conhece hoje um movimento de renovação considerável, que advém do rompimento de grande parte dos geógrafos com relação à perspectiva tradicional. Há uma crise de fato da Geografia Tradicional, e esta enseja a busca de novos caminhos, de nova linguagem, de novas propostas, enfim, de uma liberdade maior de reflexão e criação. As certezas ruíram, desgastaram-se. E, novamente, pergunta-se sobre o objeto, o método e o significado da Geografia. (MORAES, 1995 p. 93)





O movimento de renovação (MORAES, 1995 p. 93) começa a se manifestar em meados da década de 1950 e se desenvolve nos anos posteriores. A partir de 1970, instala-se de forma sólida, um tempo de críticas e de propostas. Surgem novas discussões e caminhos metodológicos. “Isso implica uma dispersão das perspectivas, na perda da unidade contida na Geografia Tradicional” (MORAES, 1995, p.94).



Algumas razões para esta crise são apontadas por Moraes (1995 p. 94-99) em seu livro “Geografia: pequena história crítica”:



A base social se alterou. O desenvolvimento do modo de produção capitalista superou seu estágio concorrencial e entrou na era monopolista. “O liberalismo econômico estava já enterrado; a grande crise de 1929 havia colocado a necessidade da intervenção estatal na economia” (MORAES, 1995 p. 94). O planejamento econômico era uma arma de intervenção do Estado, juntamente com o planejamento territorial e sua proposta de ação na organização do espaço. “A realidade do planejamento colocava uma nova função para as ciências humanas: a necessidade de gerar um instrumental de intervenção, enfim uma feição mais tecnológica.” (MORAES, 1995 p.95).



O desenvolvimento do capitalismo tornou a realidade mais complexa. Houve um grande processo de urbanização, com novos e complexos fenômenos. A agricultura também modificou, com a industrialização e a mecanização da atividade agrícola. As comunidades locais tendiam a desaparecer. “Vivia-se o capitalismo das empresas multinacionais, dos transportes e das comunicações interoceânicas” (MORAES, 1995 p. 95) A realidade local era o elo de uma cadeia globalizada, defasando assim o instrumental de pesquisa da Geografia. “O instrumental elaborado para explicar comunidades locais não conseguia apreender o espaço da economia mundializada. Estabelece-se uma crise de linguagem, de metodologia de pesquisa” (MORAES, 1995 p. 95).



O próprio fundamento filosófico no qual se assentava o pensamento tradicional também havia ruído. O positivismo clássico havia sofrido críticas internas e renovações. “A própria complexização da realidade e dos instrumentos de pesquisa havia envelhecido as formulações do positivismo clássico” (MORAES, 1995 p. 96).



A crise também se desenvolveu a partir de problemas internos da Geografia.





Havia questões de formulação, lacunas lógicas e dubiedades, que forneceram a via imediata da crítica. A renovação fez desta seu patamar, dissimulando muitas vezes o teor da crise, ao coloca-la apenas como uma discussão interna da Geografia, puramente técnica, ou como uma forma de gerenciar o nível de crítica, escondendo as razões anteriores e os compromissos sociais do discurso geográfico. (MORAES, 1995 p. 96)





Alguns pontos foram apontados pelos envolvidos na crítica geográfica (MORAES 1995, p. 97), a saber, a indefinição do objeto de análise, a questão da generalização, a Geografia unitária que buscava apreender um conjunto de fenômenos em síntese e a falta de leis.





Se a insatisfação com as propostas tradicionais é um traço comum entre os geógrafos, os níveis de questionamento variam bastante. Alguns autores vão ficar nas razões formais; outros avançam, buscando as razões mais profundas na base social e na função ideológica desse conhecimento. De acordo com esta variação, temos críticas distintas, que já dependem dos propósitos e do direcionamento que se imprime ao movimento de renovação. O fundamento positivista clássico é negado por todos, porém o que deve substituí-lo é matéria das mais polêmicas. O afastamento da Geografia Tradicional, com relação à Filosofia e às demais ciências, é unanimente criticado, porém as teorias científicas e as posturas filosóficas que cada um vai buscar, para aproximar da nova Geografia, serão as mais variadas e antagônicas. Assim, conforme as propostas e perspectivas que cada autor vislumbra ou defende, cada um possuirá um nível de questionamento, enfocará sua crítica do conhecimento tradicional num determinado ângulo, destacando aqueles pontos que melhor se adeqüem a introduzir sua proposta. (MORAES, 1995 p. 98)





O movimento de renovação não possui uma unidade. “A busca do novo foi empreendida por vários caminhos; isto gerou propostas antagônicas e perspectivas excludentes” (MORAES, 1995 p. 98-99).



A Geografia Pragmática ataca o caráter não-prático da Geografia Tradicional. O seu intuito é de uma renovação metodológica, o de buscar novas técnicas e uma nova linguagem exigida pelas novas tarefas postas pelo planejamento. A finalidade é criar uma tecnologia geográfica, um móvel utilitário.





A crítica dos autores pragmáticos à Geografia Tradicional fica num nível formal. É um questionamento da superfície da crise, não de seus fundamentos. É uma crítica “acadêmica”, que não toca nos compromissos sócias do pensamento tradicional. Nem poderia ser de outra forma, na medida em que estes compromissos são mantidos. (MORAES, 1995 p.101)





As propostas do discurso pragmático visam apenas redefinição das formas de se expressar os interesses do capital. “Uma mudança de forma, sem alteração do conteúdo social” (MORAES, 1995 p. 101). Ocorre então a passagem do positivismo para o neopositivismo. Troca-se o empirismo da observação direta por um empirismo dos dados filtrados pela estatística.





O acúmulo de dados dizendo respeito a uma sociedade crescentemente complexa exige arsenal técnico capaz de dar conta dos processos de coleção e tratamento das informações. Daí que os recursos analíticos disponibilizados pela Matemática viram-se incorporados também pela “nova” Geografia; esta, agora, interessada em transcender as monografias paisagísticas, revertendo o jogo a favor de uma ciência mais funcional, assentada no paradigma hipotético-dedutivo e sobre um objeto mais bem precisado: as organizações espaciais. (CAMARGO, 2003 p. 225)





Uma das primeiras vias de objetivação da Geografia Pragmática é a Geografia Quantitativa defendida, por exemplo, por Dematteis. Para autores desta corrente, o temário geográfico seria explicado totalmente com os métodos matemáticos.





No Brasil, a geografia teórico-quantitativa teve difusão nos fins da década de 60 e primeiro período na de 70, quando o Governo militar estava consolidado e procurava integrar a economia brasileira, como dependente, à economia mundial, e projetava, de forma linear, um crescimento da economia brasileira, como dependente, à economia mundial, e projetava, de forma linear, um crescimento da economia brasileira que levaria, segundo a propaganda, a colocar o país entre as grandes potências. Para isto o governo acionou a Fundação IBGE, que dispunha de ricas informações estatísticas e de um corpo de geógrafos que, em parte, apoiou a utilização de novos métodos. (ANDRADE, 2006 p.176)





Outra via vem da teoria dos sistemas (Geografia Sistêmica ou Modelística). Expressa nas colocações de Brian, propõe o uso de modelos de representação e explicação no trato dos temas geográficos. Existe ainda aquela via que se aproxima da Psicologia, formulando o que se denomina Geografia da Percepção ou Comportamental que buscaria entender como os homens percebem o espaço, como se dá sua consciência em relação ao meio, como percebem e como reagem frente às condições e aos elementos da natureza ambiente e como este processo se reflete na ação sobre o espaço.





A Quantitativa permite a elaboração de “diagnósticos” sobre um determinado espaço, apresentando uma descrição numérica exaustiva sobre as suas características, e ainda as tendências de evolução dos fenômenos ali existentes, e ainda as tendências de evolução dos fenômenos ali existentes. Este diagnóstico ou survey permite um conhecimento da área enfocada e a escolha de estratégias de intervenção acelerando ou obstaculizando as tendências presentes. (MORAES, 1995 p. 105)





A Geografia Pragmática nada mais é do que um instrumento da dominação burguesa. Seus fundamentos estão ligados ao desenvolvimento do capitalismo monopolista. Ela defende a “maximização dos lucros, a ampliação da acumulação de capital, enfim, a manutenção da exploração do trabalho” (MORAES, 1995 p. 108). Ela mascara as contradições sociais, e se torna arma ideológica, no sentido de tentar fazer passar como medidas técnicas a ação do
Estado na defesa de interesses de classe.



A Geografia Pragmática simplificou arbitrariamente o universo da análise geográfica. “Seus autores empobrecem a Geografia, ao conceber as múltiplas relações entre os elementos da paisagem, como relações matemáticas, meramente quantitativas” (MORAES, 1995 p. 110).



No movimento de renovação do pensamento geográfico, existe uma outra corrente denominada de Geografia Crítica.





Esta denominação advém de uma postura crítica radical, frente à Geografia existente (seja a tradicional ou a pragmática), a qual será levada ao nível de ruptura com o pensamento anterior. Porém, o designativo de crítica diz respeito, principalmente, a uma postura frente à realidade, frente à ordem constituída. São os autores que se posicionaram por uma transformação da realidade social, pensando o seu saber como uma arma desse processo. São, assim, os que assumem o conteúdo político de conhecimento científico, propondo uma Geografia militante, que lute por uma sociedade mais justa. São os que pensam a análise geográfica como um instrumento de libertação do homem. (MORAES, 1995 p.112)





Os autores desses novos paradigmas avaliarão as razões da crise, evidenciando-a. Criticam o empirismo Tradicional e todas as decorrências da fundamentação positivista.





Vão além, criticando a estrutura acadêmica, que possibilitou a repetição dos equívocos: o mandarinato, o apego às velhas teorias, o cerceamento da criatividade dos pesquisadores, o isolamento dos geógrafos, a má formação filosófica, etc. E, mais ainda, a despolitização ideológica do discurso geográfico, que afastava do âmbito dessa disciplina a discussão das questões sociais. Assim, ao nível da crítica de conteúdo interno da Geografia, não deixam pedra sobre pedra.(MORAES, 1995 p.113)





A vanguarda desse processo renovador apontará o conteúdo de classe da Geografia Tradicional. Os autores mostram a vinculação entre as teorias daquela Geografia com o imperialismo.





Enfim, os geógrafos críticos apontaram a relação entra a Geografia e a superestrutura da dominação de classe, na sociedade capitalista. Desvendaram as máscaras sociais do discurso geográfico, seu caráter classista. As razões da crise foram buscadas fora da Geografia. (MORAES, 1995 p.114)





O formulador da crítica mais radical foi Yves Lacoste, em seu livro “A Geografia serve, antes de mais nada, para fazer a guerra.” Para ele, o saber geográfico manifesta-se por duas formas: a “Geografia dos Estados-Maiores” que sempre existiu ligada à própria prática do poder, sendo que todo conquistador sempre teve um projeto em relação ao espaço, também os Estados e a direção das empresas monopolistas; e a “Geografia dos Professores” que seria aquela denominada de Tradicional. Esta, além de mascarar a existência da Geografia dos Estados-Maiores, levantando “dados para a ‘Geografia dos Estados-maiores’, e, assim, fornecem informações precisas, sobre os variados lugares da Terra, sem gerar suspeita, pois tratar-se-ia de um conhecimento eminentemente apolítico, e, ainda mais, inútil” (MORAES, 1995 p.114)



A crítica de Lacoste é bastante incisiva, colocando a Geografia como instrumento de dominação da burguesia, dotado de alto potencial prático e ideológico. Conforme Lacoste (2004, p. 24):





Se a geografia serve, em princípio, para fazer a guerra e para exercer o poder, ela não serve só para isso: suas funções ideológicas e políticas, pareçam ou não, são consideráveis: é no contexto da expansão do pangermanismo (os imperialismos francês e inglês se desenvolveram mais cedo, em ambientes intelectuais diferentes) que Friedrich Ratzel (1844-1904) realizou sua obra, que, ainda hoje, influencia consideravelmente a geografia humana; sua Antropogeografia está estreitamente ligada à sua Geografia política. Retomando inúmeros conceitos ratzelianos, tal como o de Lebensraum (espaço vital) e os dos geógrafos americanos e britânicos (como Mackinder), o general geógrafo Karl Haushofer (1869-1946) dá, em seguida à Primeira Guerra Mundial, um impulso decisivo à geopolítica. Sem dúvida, numerosos geógrafos considerarão que é a última incongruência estabelecer uma aproximação entre sua geografia “científica” e o empreendimento do general, estreitamente ligado aos dirigentes do Partido Nacional-socialista. A geopolítica hitleriana foi a expressão, a mais exacerbada, da função política ideológica que pode ter a geografia.





Lacoste admite que os detentores do poder possuem uma visão integrada do espaço, dada pela intervenção articulada entre vários lugares. Em contrapartida, o cidadão comum tem uma visão fracionada do espaço, pois só concebe os lugares por sua vivência cotidiana, possuindo poucas informações da realidade dos outros lugares. Para o autor,





é necessário construir uma visão integrada do espaço, numa perspectiva popular, e socializar este saber, pois ele possui fundamental valor estratégico nos embates políticos. Diz explicitamente: “é necessário saber pensar o espaço, para saber nele se organizar, para saber nele combater.” (MORAES, 1995 p. 116)





A Geografia Crítica assume um conteúdo político explícito. A renovação passa a ser pensada em termos de teoria prática no sentido de que não basta explicar o mundo sem transformá-lo.





A Geografia Crítica tem suas raízes na ala mais progressista da Geografia Regional francesa. A figura de Jean Dresch aparece, no seio desse movimento, como um exemplo único de afirmação de um discurso político crítico; suas teorias foram já uma antecipação (Dresch escreve suas obras nas décadas de 30 e 40). Esta ala da Geografia Regional vai progressivamente se inteirando do papel dos processos econômicos e sociais, no direcionamento da organização do espaço. Assim, abre uma discussão mais política da análise geografia. Tal abertura embasou-se na crescente importância do elemento humano na Geografia francesa, que aparece: na diferenciação entre meio e meio geográfico, na sujeição da Geografia Física à Humana, e na idéia da região como produto histórico (e sua valorização como objeto primordial). Assim, a Geografia Regional francesa aproximou-se da História e da Economia. É no bojo desse processo que germinam as primeiras manifestações de um pensamento geográfico crítico, ao se introduzir na análise regional novos elementos. (MORAES, 1995 p.117)





A primeira manifestação clara da renovação pode ser detectada na proposta da Geografia Ativa (livro escrito por P. George, Y. Lacoste, B. Kauser e R. Guglielmo) aonde deveria se executar um tipo de análise que colocasse a descoberto as contradições do modo de produção capitalista. Ensejava uma Geografia de denúncia de realidades injustas e contraditórias.



Entretanto, tal proposta não rompia, em termos metodológicos, com a análise regional tradicional.





Se, por um lado, criava uma perspectiva de militância para os geógrafos conscientes, por outro não resolvia a contento as questões internas dessa disciplina, pois colocava a explicação das realidades estudadas fora do âmbito da Geografia, ficando esta como um levantamento dos lugares, um estudo da projeção do modo de produção no espaço terrestre. Assim, limitava-se a um estudo das aparências, sem possibilidade de indagar a respeito da essência dos problemas. (MORAES 1995 p. 120)





A Geografia Crítica também se desenvolveu a partir dos estudos temáticos, notadamente aqueles dedicados ao conhecimento das cidades. Um destaque deve ser dado para a figura de David Harvey que esteve na vanguarda do neopositivismo da reflexão geográfica e depois rompeu com a perspectiva pragmática, escrevendo uma obra com profunda autocrítica: “A justiça social e a cidade”, criticando as teorias liberais sobre a cidade.





Analisa o uso do solo, um tema clássico da Geografia, à luz das categorias do valor-de-uso e do valor-de-troca. Nessa reflexão, adianta bastante as formulações a respeito de uma dialética do espaço, e chega a algumas concepções interessantes, como, por exemplo, a de “ver as formas espaciais enquanto processos sociais, no sentido de que os processos sociais são espaciais.” (MORAES 1995 p.121)





Em se tratando de uma concepção mais global de Geografia, cabe uma exposição da proposta de Milton Santos, apresentada em seu livro “Por uma Geografia nova.” Nesta obra, depois de avaliar a Geografia Tradicional, a crise do pensamento geográfico e as principais propostas de renovação pragmáticas, Milton Santos expõe sua concepção do objeto geográfico. Sua proposta é uma das mais amplas e substantivas empreendidas pela Geografia Crítica.





Milton Santos argumenta que é necessário discutir o espaço social, e ver a produção do espaço como o objeto. Este espaço social ou humano é histórico, obra do trabalho, morada do homem. É assim uma realidade e uma categoria de compreensão da realidade. Toda sua proposta será então uma tentativa de apreendê-lo, de como estuda-lo. Diz que se deve ver o espaço como um campo de força, cuja energia é a dinâmica social. Que ele é um fato social, um produto da ação humana, uma natureza socializada, que pode ser explicável pela produção. Afirma, entretanto, que o espaço é também um fator, pois é uma acumulação de trabalho, uma incorporação de capital na superfície terrestre, que cria formas duráveis, as quais denomina “rugosidades” (MORAES 1995 p.123)





Santos argumenta que a atividade produtiva dos homens implica numa ação sobre a superfície, de modo que produzir é produzir espaço. Segundo ele, a organização do espaço é determinada pela tecnologia, cultura e pela organização social. Diz ainda que a unidade de análise do geógrafo deve ser o Estado Nacional, pois, só levando em conta esta escala, pode-se compreender os vários lugares contidos em seu território.



Assim, Milton enfatiza que “as diferenças dos lugares são naturais e históricas, e que a variação da organização do espaço é fruto de uma acumulação desigual de tempo” (MORAES, 1995 p. 125).





A unidade da Geografia Crítica manifesta-se na postura de oposição a uma realidade social e espacial contraditória e injusta, fazendo-se do conhecimento geográfico uma arma de combate à situação existente. É uma unidade de propósitos dada pelo posicionamento social, pela concepção de ciência como momento da práxis, por uma aceitação plena e explícita do conteúdo político do discurso geográfico. (MORAES, 1995 p. 126)





A diversidade das orientações metodológicas da Crítica é benéfica, pois estimula o debate, gera polêmicas e faz avançar as colocações.



Para Andrade (2006, p.196) a Geografia Crítica





não apresenta uniformidade de pensamento, não forma propriamente uma escola. Costuma-se catalogar neste grupo geógrafos que se conscientizaram da existência de problemas muito graves na sociedade em que vivem e compreenderam que toda a geografia, tanto a tradicional como a quantitativa e a da percepção, embora se apregoando de neutras, tem um sério compromisso com o status quo, com a sociedade de classe. A neutralidade científica apregoada é uma forma de esconder os compromissos políticos e sociais. Os radicais compreenderam também que as poucas críticas fitas pelos geógrafos destas escolas às injustiças com que convivem são feias visando à correção de detalhes, de problemas complementares, sem ir ao cerne dos mesmos problemas. Daí se chamarem radicais, isto é, de tornarem uma atitude que, ao analisar as injustiças sociais e os bloqueios a um desenvolvimento social, vão às raízes, às causas verdadeiras destes problemas, e de críticos por assumirem os seus compromissos ideológicos, sem procurarem esconder-se sob falsa neutralidade.





A Geografia Crítica, conforme visão de Andrade (2004 p.55)





não atingiu objetivos precisos, concretos; alguns geógrafos, descomprometidos com a sociedade em que vivem, desenvolveram uma crítica destrutiva a tudo o que foi feito e, em nome de um falso materialismo, apresentam postulações altamente idealistas, que condenam a simples análise dos fatores físico-naturais e de suas importância na formação e transformação do espaço, em nome de princípios marxistas. A leitura da obra dos fundadores do marxismo, indica que eles eram profundos conhecedores dos preceitos da geografia clássica alemã, sobretudo de Humboldt, e, embora procurassem mitigar o determinismo geográfico, reconheciam uma forte influência do meio natural nas relações entre o homem e a natureza.





O Brasil possui (ANDRADE, 2006 p. 211) uma equipe de geógrafos que pode ser considerada como uma das de mais alto nível, comparando-se em igualdade de condições com países desenvolvidos. Os geógrafos brasileiros tentam responder aos desafios da realidade, comparando a sua situação no contexto mundial com a de outros países. A formação de geógrafos fora do território nacional se diversificou, diminuindo a influência francesa que foi decisiva para a formação da Geografia brasileira.



Conforme Ana Fani A. Carlos





Uma coisa é altamente positiva, na geografia brasileira: a multiplicidade de abordagens teórico-metodológicas e, nessa perspectiva, o pensamento geográfico não é homogêneo, mas contraditório e múltiplo; um movimento em construção, que não é contínuo, apresentando descontinuidades, continuidades. Essa multiplicidade tem garantido um debate cerrado em torno da capacidade da geografia de produzir um conhecimento sobre a realidade brasileira, Portanto, os desafios também são diferenciados. (1986 p. 163)




*Fragmento do Projeto de Pesquisa:







A CONSTRUÇÃO DO SABER GEOGRÁFICO SOB O OLHAR DOS ALUNOS DA EDUCAÇÃO BÁSICA NA CIDADE DE PATOS DE MINAS – MG por Sidney A. de Santana

Contato para referências bibliográficas e outras informações: sidney.santana@hotmail.com

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